A primeira festa de aniversário de Mano Wladimir
Por
Vladimir Cunha
vlad@onmail.com.br
Mano Wladimir está tenso. No colo da mãe,
Marisa Monte, ele ainda não conseguiu entender exatamente o que está se passando. Ao seu lado,
Carlinhos Brown conversa com
Wally Salomão, que cita uma poesia de
Caetano Veloso, que dá um brigadeiro orgânico (sem chocolate e sem leite condensado) para
Zeca, que leva um pito da mãe,
Paula Lavigne.
Mano Wladimir está tenso. É a sua primeira festa de aniversário.
"Criança sã/De uma rã/Guardiã/Eu sou seu fã/Na manhã/Aramaçã/Cunhã". A música infantil escrita por
Arnaldo Antunes especialmente para a festa é a trilha sonora da dança das cadeiras. Nada da
Turma da Mônica, nada de atores desempregados vestidos de
Pikachu. Aqui a coisa é diferente.
MM resolveu ser mãe em grande estilo e contratou a
Companhia Bufa de Artes e Performances do Absurdo para animar a festa. Fantasiado de
Ed Motta, um ator recita de trás para a frente toda a obra de
Eça de Queiroz para algumas crianças. Do outro lado da sala, um grupo de
clowns (sim, porque numa festa como essa é proibido ter palhaço) ensaia uma volta à posição fetal enquanto ostenta reproduções dos parangolés de
Hélio Oiticica. Num canto,
Carlinhos Brown dá uma entrevista para uma repórter da revista
Bravo, escalada especialmente para cobrir o evento.
- E aí, Brown? Está feliz com o primeiro aninho do Mano Wladimir?
- É uma coisa da modernidade nagô, no que tange a referência espaço/tempo do ciclo da história humana. O cósmico supremo da realização superlativa, a poética da bioenergia enquanto motor da sublimação ótica. É onde o eu e o tu fundem-se na epiderme inconsciente.
- E o que você deu de presente para ele?
- Pensei na questão do pacifismo, na guerra como catalisador das emoções humanas ao mesmo tempo em que atrai e repudia o ser. A máquina ceifadora que gera vibrações orgônicas, que tangencia e descontinua a unidade solar dos povos.
- Como assim?
- Eu dei um boneco dos Comandos em Ação...
Enquanto as crianças não podem comer o bolo de cenoura, aniz e mel de cana - que traz estampado uma reprodução de
O Abaporu, de
Tarsila do Amaral, em sua cobertura -
Marisa Monte serve a elas copos de suco de gengibre e balas de cravo da Índia. Até que
Paula Lavigne tem a idéia de chamá-las para um karaokê.
Quem começa a brincadeira é
Benedito Tutankamon Pedro Baby, cinco anos e filho de um dos roadies de
Arnaldo Antunes, que canta O
Avarandado do Amanhecer, de
Caetano Veloso. Em seguida é a vez de
Zabelê Tucumã Nhenhé Çairã, três anos e filha da empresária de
Carlinhos Brown, que canta
Ana de Amsterdã, de
Chico Buarque. Ao saber que a próxima criança a cantar é a impronunciável
Zadhe Akham Mahalubé Sinosukarnopatrionitnafilewathua, filha da copeira de
Marisa Monte,
Paula Lavigne acha melhor suspender o karaokê.
É hora do
Parabéns a Você. Os convidados reúnem-se em torno da mesa. E então,
Marisa Monte anuncia uma surpresa: quem irá cantar o Parabéns é
Carlinhos Brown.
Brown, que andava meio sumido depois de sua entrevista para a
Bravo, aparece vestido com um cocar feito de canudinhos de plástico, uma camisa de jornal e uma tanga de folhas de bananeira. Atrás dele, 315 percussionistas da
Timbalada, um videomaker e quatro poetas marginais.
Brown pega um garrafão de água mineral e começa a cantar sua versão para
Parabéns a Você:
- Vim para cantar/A tropicália alegria de um povo/Azul, badauê, zumbi/Ela não me quer/Mas sou um tacle regueiro/Viva o divino samba de João/Monarco na rua/Meu bloco chegou.
Arnaldo Antunes se empolga e começa a recitar poesias descontroladamente,
Marisa Monte gorgeia e improvisa algumas melodias, a
Timbalada toca um samba-reggae,
Paula Lavigne cai na farra e
Caetano acha tudo "lindo". O videomaker filma tudo e
Wally Salomão escreve o release. Os poetas marginais aproveitam a confusão para roubar uns docinhos.
Um executivo de uma grande gravadora, que entrou de penetra, contrata todos os presentes e promete CD, DVD, livro, críticas favoráveis no
New York Times, participação de
David Byrne e especial de televisão. Para comemorar,
Arnaldo Antunes põe um disco de
Lupicínio Rodrigues. O ator vestido de
Ed Motta cospe fogo.
Marisa Monte lê
Mário Quintana em voz alta.
Mano Wladimir chora. É a sua primeira festa de aniversário.